Nova York não é de muitas estrelas e ela sabia disso. Mesmo assim se debruçou na soleira da janela do quarto, onde poderia observar não só as poucas estrelas, mas também, quase todo o Gramercy Park.
Passava das quatro da manhã e ela não queria ter que fazer isso.
Ele corria desesperado. Um pouco mais de nove da manhã. Havia acabado de desembarcar no Grand Central Terminal e deveria estar em cinco minutos no último andar do Edifício Chrysler, quase sendo atropelado ao atravessar a Lexington Ave. As vezes odiava Nova York por ser tão agitada, mas não poderia reclamar. Tinha crescido no Brooklin e amava aquela cidade com todas as forças. Também não tinha tempo para odiar sua cidade, estava atrasado pra sua entrevista de emprego. Emprego do qual precisava muito.
O elevador demorou o que pareceu horas para chegar no último andar. Falou com a recepcionista e foi avisado pela mesma que logo seria chamado. Não poderia reclamar. Sabia que o emprego já era seu, pois foi indicado pelo melhor amigo, mas ele também tinha méritos. Havia se formado com honras em Arquitetura pela Columbia e estava mais do que preparado para enfrentar os desafios de ser um grande arquiteto.
Entrou no escritório um pouco nervoso, mas cerca de quarenta minutos depois, saiu do mesmo com um sorriso. Como esperado, o emprego era seu.
Essa era uma das melhores lembranças que ela possuía. O fato de tê-lo conhecido de forma tão clichê, tornava tudo com um toque de romantismo a mais. Mas naquela noite, o que menos queria era ter essas memórias. Memórias que agora pareciam construídas em cima de areia movediça, que começava afundar a levando junto com as memórias.
Era pra ser só mais um dia normal. Se não tivesse dormido de mais. Não costumava perder a hora daquele jeito, na verdade, em um ano e meio, nunca havia se atrasado. Passou na Starbucks apenas para pegar seu tradicional café e se dirigiu para o trabalho.
Apertou o botão do elevador do Chrysler, e aguardou ansiosamente para poder subir até no oitavo andar de uma vez. Sua chefe já havia ligado pelo menos uma três vezes, o que era suficiente para saber que estava numa grande roubada. Assim que o elevador abriu as portas, tratou de se colocar para dentro do mesmo, se não fosse por um obstáculo de olhos claros, com um telefone celular em mãos e muito café derramado entre os dois por causa do esbarrão.
Ela olhou para cima da cama onde deixara a mala ainda aberta. A camisa branca manchada com café estava dobrada sobre as outras roupas. Ela guardou a camiseta como uma recordação daquele dia tão memorável.
O sábado estava ensolarado, o que contribuiu para os planos dele. Fazia dois meses que haviam se conhecido e ele queria que toda a cena fosse perfeita. Ela tinha falado da chuva de meteoros a semana inteira e ele sabia que o único plano dela para ver aquele espetáculo seria deitada no grande gramado do Central Park.
Com muito esforço conseguira aquela exclusividade. Falou com todas as pessoas importantes que poderia ceder aquele favor e não mediu esforços até ter autorização para tal.
Se encontrariam em frente ao Museu de História Natural, uma sugestão também dele, que para ela, era apenas um ponto de encontro mais fácil as sete da noite.
Durante os dois meses que passaram juntos, ele pode conhecer muito dela.
Apaixonada por história, astronomia, música, livros, dança, teatro e tudo aquilo que ela poderia considerar como arte, ela se tornara jornalista com um único objetivo: poder explorar tudo isso que tanto venerava. Sua vontade era se aventurar pelo mundo para escrever sobre ele. Sobre todas as culturas e sobre tudo que ela encontrasse de bonito e que chamasse sua atenção. Desde um artista de rua, nas margens do rio Siena, na iluminada Paris até sobre a grande muralha da China. Não interessa o que fosse, desde que fosse bonito aos seus olhos.
Ele saiu da pequena porta lateral de funcionários do museu, encontrando "sua" garota sentada de costas na grande escadaria. Sentou ao seu lado, fazendo a garota levar um pequeno susto.
- Sabia que isso não se faz, não é? - ela indagou com a mão sobre o peito, fingindo ter levado o maior susto.
Ele apenas riu de sua brincadeira e a beijou.
- Eu tenho uma surpresa para você. - ela o encarou por um segundo e então sorriu. - Vem. - ele a chamou se levantando da escada.
Vendou os seus olhos e travessa como era, ficou fazendo milhões de perguntas sobre onde ele estaria a levando e se o propósito era assassiná-la ou coisa do tipo. Ele dava risada enquanto a levava pela mesma porta lateral do museu, por onde havia saído.
Assim que chegaram na entrada do Planetário Hayden ele retirou a venda dos olhos dela. Ele mostrara cada pedacinho do planetário e do Rose Center for Earth and Space e como ficava lindo durante a noite, quando ninguém estava lá.
Naquela noite, enquanto assistiam a chuva de meteoros, no telhado do museu, ele a pediu em namoro e ela não conteve seu sorriso ao dizer sim.
Ela tinha vontade de chorar. Olhar para as estrelas e não se lembrar daquela noite era inevitável. Não queria chorar. Não queria se lamentar por ter perdido tudo. Abaixou a cabeça. Se olha-se mais um segundo sequer para aquele céu quase escuro, derramaria lágrimas de mais e não estava disposta.
Olhou no relógio e já eram quase cinco da manhã. O vôo dele estava previsto para chegar às cinco e meia da manhã. Foi até a cozinha pegar um copo d'água. Quando levantou a mão para alcançar o copo no armário, olhou o anel no dedo direito e lembrou-se de uma promessa não cumprida.
Mais uma vez na caixa postal. Tentara falar com o namorado o dia todo, mas sem sucesso. Era aniversário de 2 anos de namoro e ela estava mais do que irritada. Ele não havia ido trabalhar, o fato de estarem no mesmo prédio facilitava a informação, e estava incomunicável pelo celular ou telefone de casa.
Ela não perdeu tempo indo até o apartamento do rapaz. Não valia a pena e estava irritada de mais para tal. Acabaria o matando.
Comprou um café na Starbucks do Gand Central Terminal e pegou o trem para casa. Ela ainda morava em um pequeno apartamento alugado em Lower East Side, bem próximo a ponte Williamsburg.
Rompeu a porta do apartamento sentindo mais raiva do que esperava. Largou os saltos na porta e jogou a bolsa com força em cima do sofá. Estava revoltada. Ele havia esquecido do aniversário de namoro!
Se dirigiu ao quarto, pois precisava de um banho para esfriar a cabeça. Ao abrir a porta, se deparou com uma enorme caixa em cima da cama.
Uma caixa bem embrulhada é um cartão.
"Hey amor!
Estou certo de que quer me matar nesse momento, mas eu nunca esqueceria o nosso aniversário.
Te espero às sete no Betony, na W 57th St, 41.
Te amo."
Ela sorriu para o bilhete e abriu a caixa, encontrando um vestido mais que perfeito. Ligou para um táxi e pediu que a pegasse às seis e quarenta e cinco.
Se arrumou, colocando o vestido e uma sandália que combinasse.
O táxi chegou na hora marcada e ela passou o endereço para o motorista. Ao chegar no restaurante, falou com o recepcionista que a levou até a mesa.
- Eu tenho duas surpresas pra você.- ele disse levantando e a abraçando assim que ela parou em sua frente.
- É melhor essas surpresas serem boas, pois a uma hora e meia atrás se eu te visse na minha frente juro que eu te mataria.
- Minha namorada é de uma delicadeza impressionante. - ela riu e ele a beijou. - Feliz aniversário. - ele sussurrou e ela sorriu desejando o mesmo para ele.
Após jantarem ele disse que a levaria para a primeira surpresa. Sem dizer nada ela aceitou. Ele passou um papel com instruções para o taxistas para os levarem ao tal lugar.
Olhando pelo vidro ela começou a ficar cada vez mais curiosa até pararam em frente a um belo prédio residencial.
- O que estamos fazendo aqui? - não pôde deixar de perguntar, como a repórter curiosa que era.
- Calma que você já vai descobrir. - ela assentiu com a cabeça e eles adentraram o prédio.
Ao chegarem a porta que continha o número 17 no terceiro andar ele virou-se para ela.
- Estamos no Gramercy, e a primeira coisa que quero te perguntar será sua primeira surpresa.
- E o que seria?
- Você aceita vir morar comigo?
Ela não acreditava no que estava escutando. Estava ansiosa pra que ele lhe pedisse isso.
- Sim! Claro que sim! - ela o abraçou em seguida lhe dando um beijo.
- Tome. - ele disse tirando uma chave do bolso. - Essa é a sua cópia da chave. Como tanto o meu quanto o seu apartamento são pequenos de mais aluguei um outro pra gente.
Não podia estar mais feliz. Pegou as chaves da mão dele e abriu a porta. Não podia estar mais encantada. A sacada e a janela do quarto tinham à vista para o parque bem em frente ao prédio e ela poderia ver tudo. O apartamento era espaçoso. Uma cozinha de médio porte. Sala de jantar e estar conjuntas. Dois quartos, sendo o de casal relativamente grande e um banheiro. Era bonito e com estilo.
- Eu tenho mais uma surpresa. - ele disse enquanto ela olhava o closet do quarto de casal.
- Achei que já tinha feito as duas. O pedido pra morar juntos e o apartamento. - ela sorriu curiosa.
- Essa era uma surpresa só. Eu tenho mais uma.
- E qual é?
- Está vendo a última gaveta? - ela acenou com a cabeça concordando. - Abre ela.
Ela se abaixou e fez o que ele havia pedido. Dentro havia uma pequena caixinha de veludo. Ela pegou a caixinha e se levantou antes de abri-la. Se virou para ele com uma expressão de espanto e ao abrir a caixinha não conteve as lágrimas ao ver um lindo anel de prata polida com um lindo diamante.
- Casa comigo?
Ela saiu da cozinha e resolveu que andaria pelo apartamento uma última vez. Olhou a sala de estar/jantar admirando as fotos. Tantas lembranças. Sentou no sofá olhando para a pequena árvore. Passou os dedos pelas pequenas folhas da mesma e observou em como elas estavam caindo por estarem no outono.
Era um domingo frio de início de setembro e eles estavam jogados no tapete da sala com duas xícaras de chocolate quente, e um monte de guloseimas, enquanto assistiam a série favorita deles. Na série a personagem adotava um filhote de shitszu.
- Acho que quero um cachorrinho. - ela fez um pequeno biquinho na tentativa de fazer uma carinha fofa.
- Mas amor, como vamos ter um cachorrinho se tem que alimentar, levar passear e dar atenção, sendo que mal temos temos tempo pra nós mesmo.
- Eu sei. É que faz 3 meses que estamos morando juntos e eu já tinha pensado nisso, ter uma companhia a mais pra nós dois.
- Eu sei que tem vontade de ter um animalzinho, mas vamos esperar só mais um pouquinho. - Ela concordou um pouco contrariada. Queria um cachorrinho pra poder cuidar.
No outro dia ele chegou em casa com um presente. Era um bonsai.
- Eu sei que queria um cãozinho, mas pelo menos vai poder cuidar e não vai ter que se preocupar em ter que levar pra passear ou dar comida todos os dias.
Ela admirou o ato do noivo e lhe deu um beijo em agradecimento.
Um bonsai. Ela pegou se imaginando em como sentiria falta de uma planta na qual cuidava a pouco mais de um ano. Uma pequena árvore que tinha lhe significado o mundo, mesmo que tão simples.
Andou até o quarto menor que havia se transformado em um pequeno escritório para ambos. De um lado havia uma mesa de desenho para ele, e do outro uma mesa para ela trabalhar em seus artigos e reportagens. Na parede maior havia uma estante com vários CDs e livros. Foi olhando pra tudo isso que se deu conta de que foi por causa do trabalho que tudo aquilo começou.
- Eu tenho uma novidade. - Ele sorriu para ela na hora de se encontrarem para o almoço.
- E o que é? - ela sorriu com a empolgação do noivo.
- Eu ganhei um projeto só meu. Vou projetar uma casa para o governador da Carolina do Norte. - ela abriu um sorriso enorme. Seu noivo finalmente se tornara um grande arquiteto.
- E como vai ser isso? Vai fazer todo o projeto aqui e mandar pra ele? Ou vai ter que passar um tempo lá?
- Vou ficar viajando na verdade. O escritório vai pagar todas as despesas, então não precisaremos nos preocupar com isso e vou ter ir pra lá para me reunir com o governador, descobrir como ele quer e pra eu poder visitar o terreno, pra ter uma noção de espaço e quais as características mais específicas da região.
- Eu ficou muito feliz por você meu amor. - ela o beijou de forma carinhosa. Finalmente estariam dando um passo importante.
Correu os dedos sobre a borda da mesa de desenho. Se lembrara que durante todo aquele o mês ele passou o maior tempo possível se dedicando a fazer aquele projeto. E em como durante aquele mês ela perdeu seu noivo. Quando ele finalmente acabou ela achou que o teria de volta, mas então, as constantes viagens começaram. Passava mais dias na Carolina do Norte, se ocupando em trabalhar na fiscalização da obra, de que em Nova York, e foi também que as constantes brigas começaram.
Ele nunca estava em casa e quando estava eles discutiam. As vezes por coisas banais as vezes por coisas tão sérias que abalavam aos dois. Mas o pior foi quando decidiram que deveriam adiar o casamento.
Ia fazer quase um ano que estavam noivos o casamento estava marcado para o final de outubro.
Muitos detalhes já haviam sido programados e no começo de agosto os convites seriam enviados. Mas não foram.
Outubro chegou e ela não se casaria em uma semana. Não entraria de branco na igreja e não teria uma cerimônia perfeita como tinha imaginado por tantos anos.
Ela foi até o quarto e fechou a mala aberta que estava em cima da cama, colocando ao lado das outras duas no chão. Cinco e meia. Ele tinha acabado de desembarcar. Não demoraria a chegar.
Apoiada novamente na janela ela pôde escutar as chaves, ele abrir a porta e entrar. Também escutou quando ele parou em frente a porta.
- O que é isso? - só de escutar sua voz ela teve vontade de chorar. - O que são essas malas.
- Eu recebi uma proposta de emprego, em Londres, e eu aceitei. Vou ser correspondente do Daily Mail. Vou finalmente fazer o que eu tanto queria: escrever sobre o mundo. - as lágrimas em seus olhos não se inibiram em cair.
- E você simplesmente vai? - ele passou a mão pelos cabelos. Isso não poderia estar acontecendo.
- Olhe para nós! Nem temos um relacionamento mais. Adiamos nosso casamento! - ela quase gritou exasperada.
- Mas eu ainda sou seu noivo! Por que não me contou?
- Porque você não estava aqui! Você nunca está aqui! Faz quase três semanas que você foi pra lá. Quase três semanas longe de casa. Por quanto tempo nós vimos nos últimos meses? Dois dias a cada quinze?
- Isso não é desculpa. Eu nunca escondi nada de você! - ele gritou. Estava bravo, abalado. Ela estava o deixando.
- E você acha que eu escondi? Eu só não aguento mais isso! Essas brigas constantes e esse relacionamento fracassado. Pra mim, acabou no dia que decidimos não nos casar. - ela baixou os olhos. Estava decepcionada. Ainda o amava. Muito! Mas não suportava mais aquela situação. Precisava que aquilo se resolvesse de uma vez, e nada mais parecia adiantar.
- Não acredito que está fugindo. Droga! - ele socou a parede derrubando algumas lágrimas.
- Eu só não aquento mais isso. Isso Ta acabando comigo, e eu preciso fazer.
- Posso te perguntar uma coisa? - ele olhou no fundo dos olhos dela, e ela respondeu com um aceno de cabeça. - Ainda me ama? - ele precisava saber.
Foi o suficiente para que o choro dela se tornasse mais intenso. Se dirigiu até e ele colocou uma mão em cada lado de seu rosto.
- Amo. Sempre amei e seria impossível deixar de te amar. - ela disse encostando a testa na dele.
- Então por que está indo?
- Porque não interessa o que façamos agora, não vai funcionar, não dessa forma. E eu te amo de mais pra pedir que abandone o seu sonho. - ela fechou os olhos numa tentativa de parar de chorar.
- Então não posso pedir que abandone o seu, meu amor. Jamais!
Ele a beijou. Um último beijo.
Ela retirou a aliança e colocou na palma de sua mão. Pegou as malas saiu em direção ao aeroporto.
6 anos depois...
Nova York é mais quente e mais ensolarada que Londres. Isso ela não podia negar. Nunca achou que sentiria tanta falta de cada canto daquela imensa cidade. De certa forma ela sempre fora seu lar.
Havia descido no Grand Central Terminal e andava em direção ao Starbucks, onde se encontraria com uma antiga colega de trabalho. Não acreditava que na amiga ainda trabalhava naquela revista, mas com algumas promoções.
Do outro lado da rua, olhou para o Chrysler, onde tantas coisas aconteceram. Admirou sua altitude se perguntando se ele ainda estava lá, no último andar.
Então ela o viu, na entrada do prédio, e no momento em que seus olhos se cruzaram, por um segundo, o mundo parou. Sua mente voltou para todos aqueles três anos que tiveram juntos. Todos momentos e cada detalhe daquele relacionamento.
Logo em seguida viu uma mulher parar ao lado dele e lhe dar um selinho. Abaixou a cabeça, não por vergonha, apenas por que era certo, e continuou o seu caminho.
Um amor sempre será um amor. Não interessa quanto tempo se passe e se foi esquecido, ele sempre estará lá, para que uma hora possa ser lembrado.
~ Gisa Krumheuer.
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